Pesquisador da UFCA cria biossensor que identifica lactose em alimentos.
Projeto venceu duas categorias em premiação internacional
“Quase 70% da população mundial têm algum grau de intolerância à lactose. Para se beneficiar dos nutrientes do leite e de seus derivados, essa parcela da população deve escolher alternativas contendo pouca ou nenhuma lactose”, explica André Oliveira Santos, doutorando no Programa de Pós-Graduação Multicêntrico em Bioquímica e Biologia Molecular (PMBqBM) da Universidade Federal do Cariri (UFCA). André desenvolveu um biossensor fotoeletroquímico capaz de identificar a presença da lactose em amostras de produtos alimentícios comerciais, mesmo em quantidades muito pequenas. Por este trabalho, André foi recentemente reconhecido em duas categorias do vigésimo primeiro Brazilian Materials Research Society Meeting – um congresso internacional promovido pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat). Na primeira categoria, o trabalho recebeu o prêmio “Bernhard Gross” – homenagem ao pioneiro da pesquisa em materiais no Brasil – concedido à melhor apresentação oral do evento. Na segunda, os autores do trabalho foram reconhecidos pela American Chemical Society como uma das seis melhores contribuições do evento. Reunindo diversos pesquisadores, de vários países, o evento foi realizado na cidade de Maceió (AL), em outubro deste ano, para apresentar e discutir avanços recentes no âmbito dos materiais e suas tecnologias. André é doutorando na UFCA desde 2020 e está sendo orientado pelo professor Thiago Mielle, do Centro de Ciências e Tecnologia (CCT/UFCA). A pesquisa também teve a participação da professora Simone Morais, do Instituto Superior de Engenharia do Porto, em Portugal. De acordo com André, esse tipo de reconhecimento reforça que a pesquisa está no caminho certo: “Fico muito feliz e entusiasmado em ver que nosso trabalho foi reconhecido por pesquisadores experientes em materiais e sensores. Para mim, é um indicador de que estamos de certa forma contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população”, destacou.
Intolerância à lactose
A lactose é o carboidrato responsável pelo gosto adocicado do leite de vaca e de outros mamíferos. Para ser absorvido pelo corpo humano, o “açúcar do leite” (como a lactose também é conhecida) precisa ser decomposto em componentes mais simples. No Brasil, 7 em cada 10 brasileiros relatam sofrer algum desconforto digestivo ao ingerir derivados do leite. É o que diz o Instituto Datafolha, segundo o qual cerca de 53 milhões de pessoas acima dos 16 anos convivem com algum grau de incapacidade na produção da enzima chamada lactase. A lactase é responsável por se unir à lactose e “quebrá-la” em unidades menores, como no caso da glicose – um dos principais nutrientes das células. Nos casos em que há deficiência na produção da lactase, a lactose não pode ser absorvida pelo corpo e entende-se que o indivíduo é intolerante à lactose. Nesse sentido, os produtos com pouca ou zero lactose precisam de um rígido controle de qualidade para que os níveis desse açúcar estejam dentro dos limites aceitáveis. Assim, o estudante da UFCA afirma que é importante buscar métodos alternativos e mais baratos para detectar a lactose direto nos produtos: “Hoje, este controle é feito utilizando métodos de cromatografia líquida, que requerem reagentes e solventes caros, além de demandarem cerca de vinte minutos para analisar cada amostra. Assim, há espaço para o desenvolvimento de um método alternativo que consiga detectar a lactose diretamente nos produtos, de forma rápida e barata”, explicou.
Pesquisa
Na pesquisa desenvolvida por André, a criação dos biossensores tem como ponto de partida o extrato do cogumelo conhecido como champignon (da espécie Agaricus bisporus), que foi coletado na Floresta Nacional do Araripe, na região do Cariri cearense. Essa espécie de cogumelo (também chamada de cogumelo branco, botão ou silvestre) traz consigo a lectina: uma proteína com a capacidade de se ligar aos carboidratos, que ajuda na identificação da lactose. Além da proteína extraída do cogumelo, a ferramenta integra materiais sensíveis à luz azul. O papel dos materiais sensíveis à luz azul é o de aumentar a sensibilidade do biossensor, ou seja, concentrações muito baixas de lactose são capazes de gerar uma resposta do dispositivo. “No meu doutoramento, desenvolvo biossensores fotoeletroquímicos contendo uma lectina do cogumelo que possui alta especificidade e afinidade para lactose. A presença da lectina melhora a capacidade analítica do dispositivo para o biorreconhecimento da lactose em amostras alimentares, contribuindo com o controle de qualidade desses produtos e reduzindo os riscos de intoxicação por pessoas intolerantes a esse carboidrato”, disse.
Resultados
Segundo André, os resultados do projeto mostram que o biossensor desenvolvido na UFCA detecta efetivamente a lactose sem a necessidade de qualquer preparo diferenciado das amostras antes da análise: “Isso é vantajoso, pois diminui o tempo total de análise, elimina resíduos e reduz a probabilidade de erros”, ressaltou. Em relação à quantidade de lactose necessária para que o biossensor identifique sua presença nos alimentos, o aparelho consegue, segundo o estudante, detectar concentrações de lactose da ordem de picogramas por litro. De acordo com ele, o aparelho seria capaz de identificar um grama de lactose dissolvido em uma quantidade de água suficiente para encher 80 piscinas olímpicas. A grande vantagem desse projeto é que tanto a construção quanto a operação do aparelho desenvolvido por André são simples, permitindo que o dispositivo seja mais facilmente miniaturizado e embarcado em um equipamento portátil.
Biossensor para Lactose
O biossensor projetado por André é específico para lactose. A princípio, seria possível detectar esse açúcar em qualquer alimento que o contenha. Conforme o doutorando, no entanto, para cada grupo de alimentos, deve-se realizar testes para verificar se outras substâncias presentes no alimento que pretende ser analisado podem interferir na resposta do dispositivo. O biossensor está sendo usado para detectar e quantificar lactose em laticínios, mas há também testes agendados para a próxima etapa do estudo na qual o projeto tentará identificar lactose em produtos farmacêuticos. Há ainda a intenção de patentear e transformar o projeto em um dispositivo comercial portátil, por meio de uma startup específica para esse propósito.
Por ufca.edu.br